sábado, 15 de maio de 2010

Imagens Eróticas




Tenho pensado sobre o erotismo que nos invade a cada dia. Não quero aqui escrever como um moralista ou uma espécie de puritano. Penso que estou mais próximos das verdades inconvenientes dos contos do Marquês de Sade do que qualquer tipo de interpretação de alguma verdade revelada em um texto sagrado.
Alias o que costumamos nomear como sagrado tem nos colocado entre a cruz e a espada. Nosso tempo está repleto de sagrados que se profanam em seus atos, absolutamente eróticos, sexuais e incrivelmente humanos. Acho que essas manifestações que, muitos entre nós utilizam para se projetarem, revelam algo que foi negligenciado em nossas sociedades.
Seria a sexualidade algo possível de se controlar por algum artifício discursivo e normativo? O que a realidade tem revelado é que não, entretanto, basta parar um pouco e ouviremos inúmeros clamores em nome da moralidade, da castidade, e seus congêneres. Me ocorre que esse clamores e os diversos usos que se pode fazer das manifestações acerca da sexualidade e suas patologias tem conquistado um território semelhante ao destinado à “anormalidade” que se deseja combater.
Nesse sentido, penso que fazemos um combate, uma guerra entre o que supomos certo ou errado, elegendo condutas adequadas e santificadas que na verdade não passam de uma ficção e, nesse caminho, encontramos inúmeros representantes de uma anormalidade que faz parte de nossa condição humana. Resta indagar quem é normal e o que isso representa em nossos horizontes existenciais, em nossas paisagens humanas. Quem pode disso falar plenamente?
Não desconheço que minhas indagações podem ser combatidas isso não é um problema relevante. Entretanto, o fato de que muitos considerarem que uma orientação sexual diferente da heterossexual seja a demonstração de um erro, de uma anomalia, de uma “perversão” repleta de inúmeros insultos e considerações pejorativas, me interroga acerca do que somos? Que espécie de humanidade podemos ser, ou desejamos nos constituir?
Não estou em condição de fazer uma devesa a estes meus semelhantes muitos dos quais meus visinhos, amigos, partidários etc. O que quero apontar é que nossa abordagem a essas diferenças que compõem horizontes existenciais, pela via da segregação típica aos discursos sexistas que inscrevem uma moralidade racista, desconsidera que a sexualidade é algo que nos caracteriza, mas, nem por isso está ao alcance de nossos aparatos de controle e moralismo. Ser ou não ser é algo que não temos pleno controle e possibilidade de decisão. Só no campo da razão indolente e seus ideários moralistas, disfarçados de conhecimento cientifico, podemos supor algo diferente disso. Nossa busca por uma pureza sempre nos leva a homicídios. Insistimos que não há Homem melhor que outro Homem.   
A sexualidade em todas as suas dimensões é uma injunção constitutiva e enigmática não sabemos com plena clareza dizer porque somos assim e não como o Outro deseja. Se há algo de “anormal”, essa “anormalidade”, que por vezes amaldiçoamos, não passa de algo que negligenciamos que faz parte de nosso estar no mundo. Não nos esqueçamos que a anormalidade contém a normalidade, portanto, elas são relativas a todos aqueles de nossa espécie.
Não desejo fazer com esse escrito um clamor à perversão e seu liberalismo destrutivo por reconhecer o Outro apenas como um objeto para o uso. Um modelo de “contentamento” a partir do outro que desconsidera sua pessoalidade, sua humanidade e sua alteridade. Não concordo com o trabalho infantil que nos permite inúmeros produtos de satisfação, não considero rentável o comércio sexual de mulheres latinas de países como o meu – minhas mulheres são encantadoras e são mais que objeto de exploração sexual –, não gosto da fome e nem dos pacotes econômicos que somos obrigados a adquirir. Temos que exigir mais beleza isso também é sexualidade.    
A perversão a que me refiro não é somente essa que se observa nos discursos morais, mas, essa que também estrutura um sujeito alheio à dimensão de que não se deve ultrapassar a lei que a alteridade nos impõem. Afinal, o Outro é diferente e, ao mesmo tempo, semelhante a nós. Isso inscreve uma condição necessária à comunicabilidade entre os humanos o que pressupõe que não posso tratar alguém como uma coisa, como um objeto. Entretanto, nosso tempo tem fundido essas duas dimensões com suas exigências desumanas e alienante, quero dizer, ali-é-nada apenas mais uma coisa a ser gastar e descartada nas engrenagens das explorações.     
Por isso, me dói muito algumas considerações de minha mulher que me remetem a uma condição objetal cujo valor é sexual. Isso que poderia me deixar envaidecido me incomoda porque não quero ser um super-homem para ser bem falado, mas, me recuso a ser um infame que não se habilita a fazer serviços domésticos ou a atender a todas as demandas. Acho que sou homem com metades e, em inúmeras partes, me apresento. Essa condição de existência de minha masculinidade compreende qualidade e virtudes que são mais saborosas que meus erros. Para mim, isso permite amar melhor.    
Nos contos do Marquês de Sade inscreve-se, naquelas escrituras, um olhar sádico e obsceno. O autor, mais que erótico, traz à cena de nosso olhar e captura nossa atenção com contos sexuais com forte caráter pornográfico que foram responsáveis por seu enclausuramento num “singelo” manicômio por perturbar a ordem estabelecida pela moralidade de sua época. Atualmente, tal Marquês e seus contos não chamariam tanta atenção e não provocariam tamanha comoção.
Seria esse fato um reconhecimento de que, a contragosto de nossos moralismo em seus múltiplos campos de atuação, ampliamos nossa tolerância, ultrapassamos os ditames da liberdade, vivenciamos algo de uma “liberdade sexual” onde ninguém é de ninguém e todo mundo é de todo mundo. Acho pouco provável. Tenho uma compreensão que permite supor que não temos “liberdade sexual” ou mesmo uma “abertura lenda e gradual”.
Para mim, a idéia de liberdade sexual é tão ficcional quando a existência de Papai Noel, entretanto, ambas movimento inúmeras necessidades de consumo, ou seja, elas servem aos ideários do capital. A Clínica tem me ensinado que a orientação sexual orienta-se nos sujeitos pela via de uma liberdade que desconhecemos e que não podemos controlar. Seus registros são tênues e pouco sabemos deles falar, mas, ainda assim, ela se constituí em nós de forma inescapável.
Liberdade para estar com quem quiser em qualquer tempo não é para mim algo de uma liberdade sexual até porque nossas escolhas por nossos parceiros não é impune e, quase sempre, são sobredeterminadas por circunstâncias relativas ao nosso romance familiar, à nossa história, experiências e a coisas que não são ordenadas e reconhecidas claramente por nossa consciência. Há tantas circunstâncias envolvidas nessas questões que me permitem dizer: “há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”.    
Nesse sentido, minha orientação heterossexual é tão emblemática e problemática como qualquer outra. Essa minha posição – desejo a mulher – que formaliza uma  “opção” não é totalitária e nem resolutiva representa uma forma de estar no mundo o que conserva mal estar, dúvidas, angustias, dores, deliciais, satisfações parciais e desejos desconexos que me embaralham os pensamentos. Ela me constitui e me formaliza não podendo dela escapar, mas, esse fato não é imune a contradições e a dissabores.  Logo, que fique claro, tenho inúmeras felicidades, mas, não vivo no céu de uma plenitude por ser como sou.                  
Tenho lido o Marquês de Sade nessa direção: ele revela os embaraços que temos em face da sexualidade – condição inescapável de nos fazer humanos – sua loucura é para mim, uma demonstração dos efeitos contraditórios que os embaraços produzem.
Se torna humano, o que conserva inúmeras possibilidades e conserva estruturas de funcionamento não é algo simples. Nosso ponto de deciframento formaliza-se a partir do olhar do Outro e pelos modos como nos relacionamos como o mundo em todas as suas contradições. Isso nos revela que não nascemos humanos, mas, nos fazemos junto ao mundo e o Outro. Essa condição é constitutiva e inescapável.
Por isso, essa injunção que nos faz Homens não é alcançável pela via de uma moralidade que seguida piamente nos conduzira aos céus dos santos e bons, dos bem aventurados, dos belos. Particularmente sempre achei os loucos mais graciosos. Eles guardam consigo um saber que caminha na contra mão de nossa suposição de saber certo, coerente com a realidade, que não delira e não alucina. Um olhar minimamente atento não pode negar isso, contudo, isso não diz tudo sobre esse fenômeno. Athur Bispo do Rosário é um “louco”, mas, seu delírio produziu beleza e arte e isso não deveria ser negado.       
Alias em minha infância, quando ainda vivia no colo de minha mãe, nossa casa foi invadida por um louco. Acho que a loucura sempre me visita, mas, nunca me pôs a correr pelo mato com medo como fez com minha mãe. No meu caso se fico o bicho não me pega se corro não sou devorado.  
Gostaria de sugerir em voz baixa e com modéstia que não é meu forte: nossa vida está repleta de coisas inúteis que nos convocam a pensar. Não seria mais produtivo pensarmos o caos sem convocar um saber disciplinar? Pensar as diferenças como constitutivas de nossa condição humana sem hierarquizações animalescas, pensar que há uma ecologia amazônica de saberes que conservam pontos de não saber, afinal todo mundo é sabedor e ignorante de si-mesmo. Não somos completinhos e anacrônicos, prontos e acabados só a lógica organizacional em sua versão maquiavélica não quer disso saber. 
Podemos aprender com o caos e a partir de uma perspectiva normativa que deseja encerrar a desordem produzir um ponto crítico acerca dos acontecimentos que, por vezes são negligenciados e recusados como relativos ao saber. Há um saber no caos que convoca uma reflexão crítica que ao ser colocada em evidência pode contribuir para a produção de alternativas emancipatórias. Afinal é inegável que a opressão se materializa em práticas normativas sabedoras do certo e do errado e que se remetem a nós como inescapáveis e, absolutamente, necessárias para organizar nossa existência.
Nós vivenciamos isso diariamente no mundo do trabalho com suas exigências disciplinares. O que revela alguns programas de TV que lidam com o discurso hegemônico administrativo? O que se deseja de um operário é mais que sua habilidade de bem fazer seu ofício. Trabalhar tem se fundido a servir, ou seja, encontrar-se em movimento um servilismo atípico porque não se remete ao campo da crítica ou do debate, mas, de uma posição adoecedora onde o silêncio impera num contínuo sim senhor!            
Para concluir esse texto inevitavelmente inconcluso gostaria de apontar que a sexualidade nunca está plenamente determinada por isso, somos um bicho que caminha com-texto e nesse lugar de particularidade sustentamos uma orientação, performances, gostos, jeitos, posições sexuais para falar, pensar e fazer sexo.
O sexo só existe sendo feito a dois, ele não esta pronto por termos uma genitalidade “masculina” ou “feminina”. Sexo começa com a palavra que pronunciando desejo impulsiona os corpos a se debruçarem uns sobre os outros em gestos e sons encantadores que pedem um pouco mais.  
Se o sexo entre nós fosse algo relativo ao biológico e a atos de penetração não seriamos assim, tão diferentes e repletos de desejos. Nós somos oriundos da fome, mas, não da mesma fome. Você tem fome de que, tem sede de que, desejo de que, sexo de que? Eis o enigma. Não sendo possível tudo saber, logo sejamos calmos. O enigma também ensina basta aprender.
Desconfio que o caos possa nos orientar na difícil tarefa de produzir um mundo melhor. A ordenança e a obediência tem tornado nosso pensamento mais lento e obscuro. Estamos respondendo a uma lógica tarefeira de um “mais um pouco” um mais de gozo e, conseqüentemente, de um aprofundamento do mal estar, da dor e do sofrimento. Nessa perspectiva, amar torna-se um problema e não uma solução. 

                                          

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