quinta-feira, 20 de maio de 2010

Meu Amigo Alo Brasil.

Nos tempos em que era criança e tinha a oportunidade de ir para a casa de meus avos paternos, me haver com as ruas em que meu pai exerceu seus ofícios de moleque, encontrava-me com meu amigo Alo Brasil.

Tratava-se de um menino como eu com expectativas repletas de aventuras. O que fazíamos juntos eram as coisas, que na aurora dos dias menino de meu pai, também foram praticadas. Gostávamos de produzir invasões em lotes alheios e proibidos para ir ter com as delicias das frutas roupadas. Gostávamos de brigar de peixe nas águas do Rio Doce.

Tenho especial saudade desses banhos naquelas águas doce como um caldo de cana e repletas de pedras pretinhas e redondas que calçavam seu leito. Um Rio Doce de minha infância com suas parias de areia branquinhas onde nos aquecíamos sobre o sol como lagartixas. Deitávamos esticando o corpo repousando nossa preguiça e nossa teimosia. As águas escuras do rio eram cheias de mistérios, redemoinhos, correntezas e profundidades, ainda assim, do alto dos pés de ingá nos jogávamos nus.

Era muito difícil resistir aos seus encantos e, quando a tardizinha chegava e retornava à casa de meus avos, ouvia seus sermões e suas suplicas. Minha vó Maria era mais severa e condenava-me a limpar o extenso lote de sua casa, cheio de plantas, pés de café, jabuticaba, laranja e mexeriguinha de casca fina.

Sempre tive por essa mulher um eterno respeito e um sincero carinho. Ela, como se podia notar, era magra e pequenina, ao mesmo tempo, era ela que produzia aqueles biscoitos de polvilho que tanto gostávamos. Minha vó tinha habilidade em fazer a comida ficar um manchar para deuses. É verdade que, por vezes, ela era assim, bruta! Mas, com jeito de moleque, lhe esfregava um beijo repentino e saia correndo pela casa, era o jeito de tê-la mansa e programar a paz entre as guerras que empreendia com minhas descobertas juvenis.

Ela fingia braveza e gritava da boca para fora “e menino encapetado vou lhe dar um corretivo, de hoje tu não escapa”. Eu temia tal palavreado, mas em meu intimo, contava com a doçura do rio para acalentar minhas dúvidas e meus medos. Além disso, meu avô, do alto de sua nobre negritude, declamava concórdias e sabedor da condição de menino concedia tolerâncias em meio a conselhos nos pés do ouvido.

Sempre gostei de ouvi-lo falar, de ver como ele andava entre seus pares, como se vestia com elegância e refinadamente saboreava os pratos, os doces, as balas, os sorvetes e toda as espécies de gostosuras. Ele, era enorme, e meus olhos de menino o enxergava lá no alto, onde hoje, ele faz morada com minha vó.

Nestes tempos, corríamos pelas ruas e jogávamos bola “pecaminosamente” nos domínios de Padre João. Homem de estatura divina e severidade humana. Com sua veste negra, em formato de saia, ele vinha até nós professar seus descontentamentos com o futebol realizado nas portas da casa de deus. Tínhamos o habito de não respondê-lo, mas, sua presença severa era motivo de ranger de dentes pelas promessas de irmos para o inferno. Ainda assim, era costume desobedecer a seus ordenamentos porque o futebol era mais encantador que as passagens bíblicas.

Entretanto, nas missas de domingo era impossível fugir de sua homilia que alertava para nossos atos profanos. Assim, saiamos todos condenados e, ao mesmo tempo, esperançosos de encontrar uma salvação. Os mais velhos nos orientavam a sermos mais bonzinhos, ou seja, deixar de ser o que a vida nos impunha ser: moleques.

Por isso, lembro-me de meu amigo Alo Brasil. Esse modo de identificá-lo não era um apelido e sim um sobrenome. Curioso reconhecer que nem sei qual é seu primeiro nome. Todos os meninos o chamavam por Alo Brasil. Esse nome ele herdara de seu pai e empunhava essa presença em todas as nossas artes.

Alo Brasil, entre todos, era o mais esperto, malando e hábil ao pular as cerca de arame farpado. Nunca compreendi como ele fazia para passar por uma cerca com tamanha velocidade e sem se machucar.

Certa vez, por proximidade e amizade, tendei fazer como ele fazia. Pulei, em alta correria, entre um arame e outro. O resultado foi terrível, fiquei agarrado pelo calção e o vizinho teve a chance de me levar pelas orelhas à casa de meus avos. Reclamava sua pelas goiabas, que nós havíamos colhido em sua propriedade privada, como pardais que livremente se alimentam. O vizinho estava com muita raiva e cheio de razões, minha orelha gritava dores, e meu calção rasgado mostrava minhas vergonhas. Até hoje, não sei prá que tamanha brutalidade, fruta bonita só tem serventia em barriga fazia.

É nessas horas que se conhece os amigos. Meu valoroso amigo Alo Brasil acompanhava a cena e como uma espécie de advogado defendia minha inocência e clamava clemência. Ele era assim, menino com nome de país que advêm do nome de seu pai. Menino de nome Brasil, portanto, grande e com inúmeras malícias e inventividades. Menino cujo nome sendo chamamento e identificação retoma um comprimento: alo, como andas como vai a vida, oi tudo bem?

Gosto muito de lembrar-me desse dia em que ele me estendeu sua dignidade. Acho que isso, feio do fundo do Rio Doce, obra daquelas pedrinhas negras, de suas curvas e seu sabor de caldo de cana, feio do altar de São Gonzalo do Rio Abaixo, das clemências da roça, do futebol profano nas portas da igreja. Não sei ao certo, o que nos conduz a produzir heroísmos verdadeiramente humanos. Mas, meu amigo Alo Brasil, soube como fazer para evitar uma condenação perpetua.

No fim, nos reunimos na praça para rir de nossa desventura, compartilhar os efeitos dos castigos, planejar novos mergulhos na vida, olhar as moças faceiras, serelepes e bonitas e, diante dessas aparições, estabelecer amores platônicos.

Nesse por menor, Alo Brasil era deveras emancipado. Por isso mesmo, todos dessa cidade pitoresca que viu minha meninice, tinham cuidados severos com ele. Ele atiçava namoricos com beijos e abraços. Era o fim do mundo! Um dia, ele providenciou uma aliança para selar meus encantos por uma certa Poliana. Alo Brasil era ousado e, em face de meu embaraço, fez ordenança de Padre, proferiu um discurso e nos fez namorados.

Fiquei tão encantado com o beijo de Poliana que não queria deixar de beijá-la. Queria mesmo era ser um beija-flor, com asas coloridas, tendo a bela, assim; ao alcance de meus lábios. Mas os ofícios da escola e os temores dos adultos inviabilizavam meu desejo. Eu era apenas um menino entre homens e mulheres, na cidade de meu pai, na companhia de meus avos.

Alo Brasil era como se fosse um Dom Quixote ampliando meus horizontes com sua peculiar poética de ser menino. Ele revela com seu nome um chamamento e um comprimento que fala de que país somos e diz de seu pai. Tudo é mistério de encantamento nas terras velhas de minhas saudades. Como pode alguém portar um nome assim – Alo Brasil?

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