segunda-feira, 10 de maio de 2010

Um Certo Mariozinho Romão

Em minha casa, para reconfortar os dias de solidão, arrumamos uma companhia muito interessante. Não que seja uma novidade alias estamos a cada dia mais próximos de nossos animais de estimação. A quem afirme, como se fosse a maior das novidades, que nossos bichos estão se humanizando. Sinceramente não sei se eles, em virtude de nossa presença, se tornam diferentes, ou nós, em virtude de nossa solidão, nos tornamos dependentes de nossos cães.
Tenho pensado que, sem nos darmos conta, temos adotado o convívio com os cães para evitarmos os outros nossos semelhantes. A humanidade tem se tornado, pelo menos para mim, um campo de alteridades, por vezes, tirânicas, autoritárias, antipáticas etc.
Como faço parte dessa composição “humanidade” tenho me visto assim em alguns encontros que a vida permite. Quantas vezes sou aquilo que detesto no outro. Não saberia dizer! Nosso tempo, esse que nos engendra no mundo, é muito rápido para minhas pernas bambas e tortas. Não tenho a habilidade de um Garrincha que coloca a vida no peito e sai driblando as adversidades com talento e encanto.
É bem verdade que na vida fora dos campos ele não foi tão feliz como nos gramados. Mas, mesmo assim um homem traz consigo inúmeras virtudes e quero crer que elas são sempre maiores que suas lastimas. Gosto de pensar nas pessoas assim, Garrincha é como nós – herói e anti-herói. Quando eu jogava bola e era jovem, queria ser como ele. Gostava do número 7 acho místico.
Acho que a solidão que torna imprescindível os cães e os tornam mais “humanos” vem dessa ausência de rebeldia com relação aos efeitos contraditórios de nossa condição humana num mundo que se esforça ao controle. O que querem de nós não é razoável com o que podemos conceder. Se estamos humanizando nossos cães é porque fora dessa relação estamos nos remetendo a uma condição desumana.
Não seria isso o que Dejours denuncia em Psicopatologia do Trabalho, ou os efeitos embaraçosos da descoberta de Descartes. Queria retomar a premissa de Sócrates “só sei que nada sei”, mas, isso é deveras arriscado. Nosso tempo é fruto de uma razão indolente por isso penso que a irracionalidade de meu Mariozinho Romão é mais agradável do que a razão indolente, mecanicista e organizacional de muitos humanos com os quais me encontro.
Ele é mais delicado e parece mesmo mais inteligente em suas condutas. Inteligência seria delicadeza? Ocorre que ele late e isso me incomoda muito, mas, ele sabe solicitar e empreender a paz entre nossas distintas condições de existência. Ele, com seus olhos azuis, balança o rabo, faz cara de anjo e busca minha melhor atenção.
Tenho suspeitado, seriamente, que se ele se torna diferente do que deveria ser enquanto cão humanizando sua presença, eu acabo me lembrando de que sou apenas um homem. Meu encéfalo não me informa o que isso representa. Logo é possível trilhar caminhos subversivos.
Quero manifestar que não sou uma máquina de responder às demandas institucionais que solicitam atrocidades em nome do bem fazer. Os cães a exemplo de Mariozinho Romão cumprem um trabalho importante em nossas vidas contemporâneas. Como pode isso?
Como pode, eu até suspeito, mas, quero silenciar possíveis respostas em nome de necessárias rebeldias. Mariozinho Romão não é meu melhor amigo, mas, contribui para minha estabilidade psíquica.
Encontrar num animal irracional essa possibilidade de bem viver informa que ali “onde eu penso para existir” acabo por “ser” algo que não contribui para ter uma “vida descende com conhecimentos prudentes”. Que coisa estranha essa que Boaventura instiga a pensar. A racionalidade ocidental simplesmente não pensa bem!
É por isso que desconfio dos saberes totalizadores, esses que se apresentam engomadinhos, limpinhos de dúvidas, cheios de afirmações, com pescoço erguido e bem vestido. Veja bem: gosto de elegância e dignidade, mas, há coisas que dizem a “verdade” com se ela fosse apenas uma. Acho, que a verdade são inúmeras.
Por isso, preciso de Mariozinho Romão, ele dialoga enquanto muitos de nós, contraditoriamente, apenas latimos.            

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