terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Estranhamento

O estranhamento roeu minha capa de veludo;
Meu escudo e minhas forças se desmaterializaram;
Tornei-me pó, terra batida, nada, possessão, diabo, anjo torto, caído, traído.
Deveras, eu, deveria saber das lastimas do amor,
Pensei inocentemente que se podia saber dos desejos das mulheres.
Mas, tudo era ilusão ou mentira, fantasia ou loucura, engano ou erro.
Não sei mais o que ocorreu e o que deixou de acontecer.
Encontro-me sepultado deitado em solo queimado como um esqueleto abandonado á séculos.
Entretanto, à revelia de minha moribunda condição estou vivo.
Reconheço que o desejo é inventividade, que em noites muito escuras, não se permite pronunciar.
Estou nesse momento, aguardando palavras e guardando silêncio.
Não sei mais o que fazer e nesses casos é preciso deixar a vida conduzir os destinos.
A vida é afogamento em canteiro de couve flor;
É preciso saciar as fomes e encantar o belo;
Deixar-se levar, voar em meio à ventania, pousar-se em um galho para esperar bom tempo.
Sou pássaro preto deixo acariciar minha cabeça;
Sou um pombo branco destes de levar noticias de nova era;
Sou menino e homem bravo, ternura e fúria, sol e chuva com raios e trovoes.  
Na casa de santo encontro-me homem – humanidade efêmera.
Sou menino grande no colo de Oxum que me ampara nos tempos em que o amor faz chuva forte.
No quarto de Oxum no terreiro de Xangô assentei uma oferenda de redenção para voar mais leve;
Pedi a ela que essa moça de minha vida possa ficar ou ir; um pouco de paz para meus dias de luta; um pouco de amorosidade e ternura.
Oxum, essa minha senhora, deu-me tudinho que pedi e sei que não há embaraço em meus caminhos;
Em meus caminhos planto a sola de meus pés e os rumos de minhas múltiplas vontades;
Eu sou guerreiro e tenho ao lado de mim meu orixá formoso,
Orixá que costuma pronunciar seu nome em voz alta para lembrar-me que não estou sozinho.
Estou afundado em minhas dúvidas sobre nós dois;
Mas, resiste fortemente em mim à fé de meus encantos.
Encantos que invento quando remeto meus olhos sobre você;
Entretanto, sendo encantado por nascença, deixo-me falar: tome cuidado;
Um negro como eu costuma voar sem medo e com audácia para poder encontrar outras veredas de ternura e amor.
Tenho cheiro de terra e madeira porque do solo de minhas saudades continuarei a viver.
Nunca tive dúvidas antes de dar ouvido às suas questões.
Casei-me com essas circunstancias e agora: o que resta a fazer?
Calar-me e guardar silencio, encostar meu corpo no teu, sussurrar coisas sensuais em seu ouvido.
Amor faz sofrer porque de outro modo não passa de mentira.
Malandramente vou sambar com suas exigências para encontrar nelas algo de valia;
Vou sorrir usando meu chapéu panamá e deixarei meu cheiro serpenteando no ar;
Desejo um pouco da irreverencia de Exu para cantar minhas magoas;
Para ser leal à minha condição de ser senhor de meus pés e responsável pelos meus passos vou ficar.
Sei que nunca ficarei sozinho!

Um comentário:

  1. Um outro me disse que faço parafuso de veludo. Só que faço costura e renda em veludo puído também. E o transformo em capa nova, forte e bela. Para voar mais alto, passaro preto de veludo quente, precisa de moça com estranhos desejos de vida. É só moço nao fugir assustado. Caído. Ela sabe que ele sabe sambar. Ela acredita no amor. Ela deseja ficar. Ela aninha-se com ele. E transforma-se. Ora coruja da noite. Ora ventania saudosa. Ora feminino corpo pequenino. Ela sabe que ele teme. Ele, bravo guerreiro, diz que nao teme e que sabe voar. Ela lhe dá asas e poe-se na espreita para aprender liberdade. Nao nego. Nao estás sozinho e nao ficarás porque escolhestes. Voos se fazem ao leve. A força é para voar. Nao para ficar amargurado com as estranhezas do amor. Hoje, disseram que saturno fez ano difícil. Olho pro céu a noite e só vejo uma lua imensa, laranja, redonda, e lembro-me de ti a dizer-me que é minha. Ofereceste-me a lua. Eu aceitei. Agora voo até lá pode ser esforçoso, por vezes. Mas pra quem guardar carinho e cafuné, o cansaço se tornará mais suportável. Procuremos os lagos, as luas, os ventos. Eles dizem do destino inventado que produzimos. Que acreditarmos.

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