segunda-feira, 2 de maio de 2011

O Assassinato de um Assassino: notas sobre a intensificação do terrorismo no mundo contemporâneo

Estamos a comemorar o assassinato de um assassino produzido por nossa temporalidade. Forjado pela barbárie de nosso tempo que articula um novo modelo de Cruzada, que separa de forma radical, o ocidente e o oriente. Esse “novo” modelo, cultuado há séculos, captura nossas representações acerca do bem, do mal, do cristianismo, da terra santa, da verdade, da justiça e da liberdade.
Entretanto, a morte de um homem não deve representar apenas uma ocorrência singular à nossa condição existencial. Os homens não devem ser destinados à morte de forma a negar ou mesmo banalizar nossa dimensão transcendental. Os homens são animais específicos e não somos feras, por isso mesmo, em tempo algum sepultamos apenas cadáveres.
Basta uma visita rápida aos lugares onde enterramos nossos entes queridos para sabermos que, de certa forma, todos sem distinção permanecem vivos em nossa memória. Aliás, reconhecer isso é perceber que nunca estamos absolutamente sozinhos no mundo. Somos um bicho relacional, simbólico e discursivo. Nenhum tipo de pragmatismo disciplinar contempla a utopia do controle sobre a vida e suas intercorrencias.
Comemorar o assassinato de um assassino, parafraseando Boaventura, não permite a produção de uma vida mais decente e não edifica nenhum conhecimento prudente. Penso que estamos cegos, cegos que vendo não vêem como diria o saudoso Saramago. Em outros termos, como diria um velho homem de meus tempos de meninice: “quem planta vento, colhe tempestade”.
O aclamado terrorismo tem se configurado como nossa melhor expressão maquiavélica sustentando a proposição de que o “homem é o lobo do homem”. Nessa lógica, nos endereçamos a aniquilar nossos inimigos e todos são inimigos, na medida em que, não compartilham nossas considerações. Talvez essa seja uma consideração simplista do exemplar e atual o Príncipe de Maquiavel. Todavia, essa leitura pode ser percebida frente ao espetáculo dantesco que estamos a presenciar.
Vivemos num mundo espetacular, até os inúmeros assassinatos diários de cada dia, que invadem nossas casas se tornam comerciais. Assim, até a desgraça se constitui em um objeto para ser consumido, para saciar nossa fome incomensurável. Estamos aprisionados numa temporalidade “Hollywood”, mais especificamente onde nos colocamos a “exterminar o futuro” produzindo uma narrativa apocalíptica como que deseja apenas a morte.
Há de se interrogar isso. Como sustenta Alain Badiou o ocidente tem muita consciência sobre o mal, mas, negligencia pensar acerca do bem e, a partir dessa incongruência estratégica, convencionamos falar sobre “ética”. Pensar sobre o bem é algo deveras muito comprometedor à lógica massificante que nos consome. Por isso, nos colocamos assim, a comemorar o assassinato de um assassino, a construir muros, armas de destruição em massa, tiranias, especulação econômica, a caixa de pandora está rigorosamente aberta para todos e em todo os lugares.
Se olharmos para os “lideres mundiais” ouviremos cada discurso, práticas, políticas que nem poderíamos imaginar. Ora, eles dizem o que estamos a pensar e seria prudente e elucidador reconhecer que participamos dessas produções. O Presidente dos EUA é o herdeiro do discurso crítico e emancipador de Martin Luther King, enunciação de um sonho que perpassa a presença de nossos ancestrais africanos barbarizados, mas nunca, absolutamente derrotados pela violência da escravidão da qual ainda somos tributários e que perpassa nossa condição existencial, humana e política em todo o mundo.
Mas, ouvi-lo supor que o assassinato de um assassino é um ato legítimo de justiça é algo inaceitável. Considerar que a justiça se confunde com a vingança é, verdadeiramente, potencializar o terrorismo. Talvez essa seja nossa principal identidade nos dias atuais alinhada, articulada e alinhavada com o nosso principal papel público e intelectual: consumir, trabalhar, servir, dormir e voltar a consumir para manter a lógica de nosso tempo.
Michel Foucault indaga a produção da justiça em meio à edificação do Estado Liberal de Direito, ele esclarece que antes da Idade Moderna, a justiça era praticada em nome de um Rei Absolutista que detinha a soberania do Estado e o poder de vida e morte sobre os vassalos. Ocorre que não somos mais vassalos, mas, ainda assim, todas as produções civilizatórias do Estado Liberal estão sendo dramaticamente sepultadas. Esse me parece o pior efeito dessa ocorrência que alguns freneticamente comemoram sobre o pseudônimo de enfrentamento ao terrorismo.
Enfrentar o terrorismo é algo absolutamente necessário. Não podemos recuar desse desafio. Não podemos aceitar as mortes que essas ações produzem, nem os discursos que engendram e nem suas banais justificativas. Devemos recuperar as considerações de Hannah Arendt sobre o flagelo do holocausto que atravessa nossa condição humana. Observação impertinente: todos nós somos humanos apesar de nossas diferenças e ninguém, em lugar algum, é mais humano que outro Homem.
Se desejamos superar o terrorismo devemos fazer arqueologias e cartografias que escapem aos ditames hegemônicos, para encontramos os exemplos de justiça que conservam um potencial retificador, poético, político e humanizador para a conservação da vida, para pensar o bem, para sermos mais prudentes e pacíficos. Nesse sentido, distribuir nossas riquezas com mais equidade é algo fundamental.
Quando penso em arqueologias e cartografias é porque considero que as respostas são parciais, mas estão em todos os lugares e culturas, são produzidas por nós e vivem conosco em nossos desafios e em nossas possibilidades.
Quero apresentar alguns exemplos:
Historicamente, influenciamos aqueles que nos escravizaram e, como aponta Paul Gilroy (2002), nunca fomos apenas músculos porque trouxemos conosco nossas culturas e religiosidades. Nesse sentido, podemos conceber que a elaboração do candomblé constitui-se como um processo político e social, empreendido pelas diversas etnias africanas no ambiente coercitivo das senzalas.
Portando, esse processo ultrapassa os horizontes próprios aos saberes ancestrais e religiosos. Essa elaboração é eminentemente afro-brasileira, ou seja, ela é africana em sua matriz e tornar-se brasileira em sua continuidade histórica. Portanto, a elaboração do candomblé a partir das religiões africanas, constitui-se em uma estratégia elaborada para desenvolver meios de transformar a realidade imposta pela escravidão. Sendo religião o candomblé também é um aparato de luta e resistência.   
A matriz africana, a que nos referimos é a materialidade de nossa ancestralidade, pensamentos, sonhos, crenças, tradições, costumes, enfim de nossa negritude. Temos sistematicamente convivido com percepções pejorativas que desconsideram tal matriz. No Brasil, existem exemplos dos efeitos paradoxais dessas considerações pejorativas acerca da negritude que se produz em meio à cultura afro-brasileira.
Isso inevitavelmente contribui para fortalecer o racismo, contribuindo decisivamente para tornar o processo de branqueamento uma saída para inúmeros afro-brasileiros em seu legitimo desejo de ascensão social e reconhecimento público. Um dos nossos maiores escritores e, influente homem público era afro-descendente. Entretanto, em seu atestado de óbito, é declarado como branco: Machado de Assis, no Brasil República com seu ideário higienista e seu propósito de branqueamento, foi transformado em branco para contemplar a cegueira de nossas elites nacionais.
Seu atestado de óbito, antes de mais nada, confirma o processo de branqueamento a que estamos expostos. Isso nos informa um ideário eugênico inscrito no ordenamento: “negro desapareça ou torne-se branco”. Injunção racista que nos remete ao impossível.
O processo que sofremos de “coisificação” no período escravocrata foi contraposto por nossas produções culturais e religiosas, que impulsionaram um permanente movimento de enfrentamento, entretanto; essa originalidade ancestral tem sido atravessada por leituras preconceituosas e pejorativas que tendem a uma dimensão hegemônica na contemporaneidade.
Esse movimento retoma às navegações que nos trouxeram, faz parte de nossa condição existencial de sermos viajantes e de termos a diáspora como elemento constitutivo de nossa negritude o que comporta inúmeros impasses.
Todavia, a presença africana no Brasil e no mundo, bem como, as múltiplas culturas e religiões implementam entre outras coisas, na contra mão da barbárie, o samba, a capoeira, o candomblé, o maracatu, a vida e os textos de Machado de Assis, entre outras coisas.
Atos dessa magnitude desenvolvem referências, que orientam nossas lutas contra o racismo e a desigualdade racial porque revelam que em tempo algum fomos bestialidades escravas. No mundo, nossa presença negra, também, produziu outras saídas singulares – nem por isso despolitizadas e inocentes – de enfrentar, corajosamente, o racismo com todo seu potencial exterminador inclusive de nossas culturas ancestrais e tradicionais. 
Enfrentar o terrorismo tem haver com isso porque ele comporta outras formas de marginalidade e coisificação como o racismo. Devemos urgentemente consultar Mandela que em sua luta contra o apartheid foi considerado terrorista. Seria, no mínimo, um diálogo interessante. Aliás, sua historicidade revela uma bela consideração acerca da coragem que não implica ausência de medo.
Todos nós estamos com medo, aterrorizados e me ocorre que a única saída é falarmos disso para encontrarmos um fundamento que não seja militar, bélico, mortal e relativo à guerra de todos contra todos. Nossa Política, como aponta Foucault, precisa superar esse paradigma terrorista da guerra de todos contra todos.  
Um pouco de psicanálise informa que demos – ao assassinar um assassino – um atestado de guerra mútua e sem fim. Parece-me que ratificamos o terrorismo como um fundamento que une o ocidente ao oriente em uma cruzada sem fim. Nesse ordenamento, caminhamos loucamente rumo a um precipício e isso não é prudente.

2 comentários:

  1. E mais gente será morta. E o terrorismo do "mundo árabe" se intensificará. E a indústria americana de armamentos se beneficiará cada vez mais de tudo isso, ao fomentar guerras lucrativas.

    E eu com isso?

    Eu fiquei com pena do velho Bin. Ninguém devia morrer.

    Ninguém morre.

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  2. Estamos a retomar uma época que dantes foi tão combatida por nossos pensadores, a saber Marquês de Beccaria e Michel Foucault, que defendiam pela humanização das penas.

    Colocamo-nos em equivalência aos monstros que reprovamos ao comemorarmos a barbárie, a vitória da morte sobre a vida, nos dignificando e justificando pela velha vingança disfarfada de justiça.

    Faço das palavras de Upiano em que diz sobre a justiça, conceituando-a como "a eterna e perene vontade de dar a cada um o que é seu". Era sim justiça que nos lamentacemos que o dito terrorista tenha sido morto sem passar pelos devidos processos legais aos quais tanto nos gloriamos e nos intitulamos em razão deles em sociedade civilizada.

    Faço de suas palavras minhas a contento.

    Todas as minhas estimas - Aquila Nascimento Vial.

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